sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Subi no ônibus, madrugava. Uma noite sem lua, dessas de muitas nuvens. O sacolejar me enjoava e ansiei dormir, para não vomitar. O sono não tardou a vir, cheio de sonhos-pesadelos da qual eu não desejaria sonhar...

Bruno me aparecia constantemente, sorrindo com perfeição ao me ver, envolvendo meu nome numa carícia quente. Falho. Flávio me vinha com mais frequência, ouvia apenas o ser arfar quente nas minhas costas de puta, num fim de dia dolorido, suplicante. Eu não me arrependera e essa falta de culpa me assustava. Aliviada, pensei não ser problema. Ninguém naquela cidade pequena seria capaz de me unir ao ataque cardíaco dele. Ninguém... a não ser Flávio.

A Cidade Maravilhosa ia ganhando formas a medida que o sol ia nascendo. Maravilhei-me com a beleza daquele lugar e, à primeira vista, vi que me daria bem ali. Aquele lugar, me pertencia.

Sai da rodoviária a procura de um albergue qualquer. Em hotéis eu jamais conseguiria o contato que precisava. Cheguei em um Albergue numa ruela do Leblon, alugando um quartinho sem banheiro, com uma cama aos pedaços e uma escrivaninha sem cadeira. Pelo preço, não poderia esperar nada além daquilo. Sorri com o primeiro toque na porta.

— Em que posso ajudá-lo? — perguntei ao homem forte que se postava à porta.

— Olá Donzela. Sou Heitor, dono de um bar aqui perto e seleciono moças como a senhorita para trabalhar no meu aposento. Gostaria de conversar a respeito?

Sorri-lhe com malícia. Aquele era exatamente o tipo de emprego que pretendia procurar.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Andava sem parar de um lado para o outro do apartamento. O coração ainda não tinha desacelerado, as lágrimas ainda não haviam secado: "vou-me embora desse cu de cidade", decidiu. Pegou pepel e caneta e escreveu:

"Mãe,
o povo dessa cidade anda me criticando e julgando-me pela morte do meu querido noivo. Estou com medo de cometer alguma loucura. Com eles, comigo.
Calma, não quero que se assuste! Por este fim, decidi ir embora dessa cidadezinha fofoqueira e mentirosa. Tenho minhas economias e, quando conseguir me estabelecer novamente, mandarei algum para a senhora.
Não me procure. Ficarei bem, mandarei notícias. Mas preciso ir embora, alguém aqui não quer me ver viva.

Com amor,
Esther"

Pegou sua maior mala e começou a separar as coisas que precisava levar com ela. O que não precisava, quebrava e jogava fora. Guardou algumas roupas quentes, poucos casacos, sapatos, sandálias e havaianas. Suas melhores roupas, presente do falecido. Biquinis, quase nunca usados. Maquiagem. Certificou-se de que não esquecera de nada, fechou a mala e a deixou num canto.

Acendeu um cigarro.

Entre um trago ou outro, rasgava, uma a uma, as fotos que tinha com Bruno e sua família. Uma a uma. Olhava-o com certo remorso, mas não arrependera-se do que fizera. "Tão bonito e um fim tão trágico"... E rasgava. Certificou-se de que não sobrara uma foto sequer... Entre elas, achou uma na qual se encontrava ao meio dos dois irmãos: Bruno e Flávio. "Flávio, o filho da puta do Flávio, que me comeu em pleno enterro do irmão...". Apagou o cigarro em cima da cara dele, abriu a bolsa e guardou a foto queimada:

- Rio de Janeiro, aí vou eu.