quinta-feira, 3 de julho de 2008

Os olhos estavam inchados de tanto chorar. Debruçada por cima do caixão, beijando-lhe o rosto, ainda era capaz de sentir o cheiro da própria pele na dele.

"Metade desse choro é forçado, falso. Devo admitir. Mas sentirei falta desse desgraçado" - pensava, enquanto olhava os outros familiares e amigos chorando por ele também. Esther sentia os olhares de reprovação vindos na sua direção e, por vez, ouvia sussurros às suas costas:

- Piranha. Levou-o para o motel e sabe lá Deus o que fez com o rapaz. Tão jovem, vinte e cinco anos, ataque cardíaco?
- Dizem que foi morto. E ela fugiu. Viu os arranhões e roxos no braço dela? Coitada.
- De santa essa menina não tem nada... Eu tenho certeza! Olha a cara da moça. Vinte e dois anos, moteleira, vagabunda! Tem culpa. Aposto que tem culpa.
- Com um mulherão desses, até eu teria um infarto. - interrompeu o irmão do falecido - e parem de falar da moça pelas costas. Ela é noiva viúva do meu irmão.

Esther riu. Um riso sacana admitiu. Mas sorriu. Em meio à toda aquela cena, ainda tinha um outro pobre coitado que a defendia "tão gato quanto o irmão"... Passaram-se horas, velório adentro, até fecharem o caixão e irem, lentamente, à cova aberta. Sentiu uma mão lhe segurando o braço enquanto caminhava ao lado do morto e, de canto de olho, viu quem era:

- Que quer comigo, cunhado?
- Safada, vadia, sem vergonha! Pensas que eu não sei o que fizestes com meu irmão? És da pior categoria de puta, mata para sentir prazer. Não ria mais quando lhe defendo: defendo a índole do meu irmão, e não a tua, piranha!
- Pare de dizer asneiras, me ofendes. Imagina eu, matá-lo.
- Sínica. Pervertida. Seria vergonhoso demais para ele se o povo soubesse que foi morto por uma vadia de quinta categoria. Que foi, cunhadinha, ele não te comeu de jeito?
- Deixa de ser ridículo e pára de falar besteiras! Imagina pensar isso de mim, eu o amava!

Ficaram quietos. O padre deu seu discurso habitual sobre a vida eterna. Esther estava entediada e a pressão dos dedos do rapaz no seu braço a incomodavam. Sentiu medo, por segundos. Mas relaxou. "Relaxe e goze", pensou. E, por mais atriz que estivera sendo, chorou, verdadeiramente, quando cobriram seu noivo por cimentos e flores. Coroas.

Pouco a pouco as pessoas iam sumindo e o cemitério ficando quieto. Flávio não permitiu que fosse embora e a fez ficar ali, até o fim, para que ficassem a sós. Cada minuto que passava, ela sentia o frio na espinha e um desejo imensurável de fugir, mas conteu-se. Mais alguns minutos.

- Enfim, sós.
- Que queres de mim maluco? Está querendo me assustar por quê?
- Quem não deve não teme, cunhadinha. Está com o cu na mão, tem culpa no cartório.
- Eu não...

Interrompeu-a.

- Deixa de ser piranha desentendida, vaca. Achas mesmo que eu não sei que a culpa da morte do meu irmão é tua? Só não espalhei aos quatro cantos dessa merda de cidade porque seria vergonhoso demais para o meu irmão ter a vida falada por aí: "coitado, morreu no motel por uma vadia" e as outras mentiras que sucederiam a frase. "não deu conta", "batia nela", "culpa da droga"... E ele não merecia isso! Antes um infarto, natural, por puro êxtase. Mas não penses que saíras digna dessa não. Mereces carregar o peso da morte na tua consciência para o resto da tua vida. E, depois de hoje, desejarás sumir dessa cidade, antes mesmo do sol nascer...

- Que pretendes fazer comigo? Não tome atitudes precipitadas! Você não sabe o que diz!

- Não sei? E por que essa cara assustada? Teu medo é refletido pelo teu olhar. Vem cá, cunhadinha, vem. Olhe para esse túmulo.

Estremeceu. Ele a segurou pelos cabelos e a forçou a se curvar para frente, levantando a saia preta, que cobria os joelhos, e rasgando-lhe a calcinha:

- PÁRA MALUCO! PERVERTIDO! PÁRA!
- Shiiiu. Não grite, poderão ouvir. - sussurrava no ouvido, esfregando o seu pudor no dela e, enfim, dividindo-a ao meio. - era isso que meu irmão deixou de fazer? É isso que querias? Como se sentes, fazendo sexo, em cima da sepultura do seu amado? Delicioso, não?
- Pára com isso... Ele não merece... Pára...
- Isso vadia, goza. Aqui, na cara do meu irmão. Vergonhoso, não? Que situação mais humilhante essa. Ele, morto. E você, satisfeita? Conseguirás visitar-lhe depois de ter dado pra mim? Virás ao túmulo dele para chorar a morte ou para relembrar dos momentos de prazer que te dei?

Empurrou-o para longe e saiu correndo, aos prantos, para longe...

- Vai vadia, vai. E não volta...

13 Comments:

Antônio Dutra Jr. said...

Fico em dúvida se o castigo foi mesmo merecido, ainda que nada justificasse matar o noivo brocha.
De qualquer forma, aguardo ansioso pela continuação...

Beijo!

Maldito said...

O fim dos seus contos costuma ser surpresa garantida!

Muito Excelente!
Bjs

Adriano DiCarvalho said...

Mais um conto envolventemente vivo e cheio de suspense. Aliás, digo vivo porque posso visualizar cada cena, e o suspense me trás a certeza de que teremos um final surpreendente e que deixa um gancho pra continuação... Quero ver - ler!rs

Parabéns!
Bjão.

Amália Morais said...

é a primeira vez (segunda, li e comentei o post anterior) que leio um conto seu, e já gosto. talvez seja esse gostinho de 'quero-mais' que fica ao ler a última palavra. nao sei, mas gostei de cara e vou te linkar. parabéns :*

Marcos Seiter said...

Bah, guria, fiquei pensando coisas adversas desse fim. E o fato é que realmente acontece neste mundo.
Ficam por aqui as gozadas e os ossos!!!

Sobre seu comentário.

Obrigado pelo "delícia de poema"! Escrevi ele com o coração. Melhor dizendo: minhas escritas são escritas com a minha alma.
Estarei, sempre que possível, lendo suas escritas.


Beijos e bom resto de sábado e bom domingo!!!


Marcos Seiter

Camila said...

Carol... que denso!
Palavras postas e articuladas!
Um conto diferente.
Beijo
=]

Lucas Palhares said...

Cara, cheguei em seu blog atraves dessa menina ai em cima, a Camila. Muito massa, há temnpos não via palavras tão poderosas. Parabéns

Anônimo said...

Suspense, aterrorizante e um sexo forçado. Muuuuito bom o conto! A-do-rei!


Acabou? Tem continuação?
Quero voltar pra ver, se tiver... :)

marden said...

putaquepariu!

Thefy said...

Ahh que eu fiquei curiosaa flor...
Adorei seu blog..
Volto mais...
Bjookaasss

Camila said...

Ah menina! hahahaha
que história eim!
NÃO CONSEGUI PARAR DE LER!! =))
Ai aiii. Que menina sem vergonha haha

beijão

Flávio Dantas said...

adorei o blog


vamos nos linkar? :}

Vinicius said...

Aplausos a escritora que tão bem soube desenvolver tal acontecimento, onde a cena e o fim foram sensacionais.

Abraço Carol,

R.Vinicius